Complexo do Expatriado e as festas de final de ano - Desafios de Brasileiro no Exterior
- Rafaela Ussier

- 17 de nov.
- 4 min de leitura
O final de ano é constantemente visto como um momento de alegria, de reuniões familiares e de concretizações pessoais e profissionais que se materializam ao longo do ano que passou. Contudo, longe dessa imagem idealizada, essa mesma época revela-se um gatilho para uma intensa tristeza, ansiedade paralisante e uma dolorosa sensação de não pertencimento para inúmeras pessoas.
Afinal, por que essa celebração do "espírito natalino", tão carregada de expectativas de alegria e afetos, frequentemente nos coloca face a face com uma sombra emocional tão intensa?

As festas de final de ano podem ser momentos muito sensíveis para diversas pessoas, apesar de no senso comum parece um momento de alegria transbordante e grandes afetos. Passar o Natal e o Ano novo no exterior, principalmente em países do Hemisfério Norte, coloca o brasileiro em uma situação de vulnerabilidade emocional mais intensa do que os que estão aqui no país. Para brasileiros que vivem no exterior, a dificuldade emocional no final do ano é intensificada por uma camada única de complexidades. Não se trata apenas da pressão social; é um conflito de identidade, cultura e saudade que ressoa nas profundezas da alma, exacerbando o Exílio Interior. Há também a dificuldade de pertencimento e identificação por conta da dissonância arquetípica:
O Arquétipo da Pátria ou o Complexo do Expatriado
O Brasil é um país com festas de final de ano vibrantes, quentes, marcadas por ceias longas e fogos de artifício na praia, bem típico de uma cultura extrovertida. O Natal é frequentemente simbolizado pelo calor familiar e a expansão de afetos e conexões. Já no exterior, especialmente onde há frio e neve, o ambiente é de introspecção, recolhimento e rotinas diferentes.
Essa diferença brusca evoca o Arquétipo da Pátria, gerando uma saudade intensa. A saudade, nesse contexto, não é apenas a falta de pessoas, mas a falta do self integrado ao seu ambiente cultural de origem. A parte mais profunda da psique sente-se desenraizada e incompleta, em uma nostalgia pela identidade desconectada de sua origem.
O Encontro com a Sombra Coletiva
O brasileiro no exterior se depara com a Sombra Coletiva de sua nova cultura, percebendo as diferenças e os aspectos que não se encaixam em seu jeito de ser. As festas locais podem parecer frias, superficiais ou estranhas, e a tentativa de forçar a celebração "à brasileira" no novo contexto pode levar à frustração e ao isolamento, reforçando o sentimento de ser um outsider.
Mesmo que esse brasileiro seja introspectivo, há algo mais enraizado em sua estrutura psíquica que associa este período de festividades há celebrações extrovertidas e quentes, como nas culturas latinas. Ainda que, estando no Brasil, estas festas e celebrações não fizessem parte da sua vivência ou preferência pessoal, há uma construção coletiva de rito de passagem que marca nossa identidade enquanto brasileiros.
O Fator do Clima e a Neurociência
É comum pessoas que moram em países com clima muito marcados, principalmente países no norte com climas frios, sentirem-se mais tristes e desanimadas com a chegada do inverno. Este período coincide com as festas de final de ano e pode trazer ainda mais dificuldade para brasileiros que moram fora. Em muitos países de destino, a dificuldade emocional do brasileiro no final do ano se encontra diretamente com o Transtorno Afetivo Sazonal (TAS), que é um fenômeno neurobiológico bem estabelecido:
Impacto da Escassez de Luz: A diminuição drástica das horas de luz solar no inverno (característica de altas latitudes) reduz a produção do neurotransmissor Serotonina (associada ao humor) e altera o ciclo circadiano, impactando a produção de Melatonina. Isso não é apenas "frio", é uma mudança química que leva a sintomas de depressão, fadiga, aumento do apetite e letargia. O brasileiro, acostumado à luz e ao sol do verão em dezembro, sofre um choque neurobiológico que se soma à dor da saudade.
Reconstruindo a Casa Interior
A psicoterapia analítica oferece um porto seguro para o brasileiro em exílio, transformando o sentimento de deslocamento em um motor para a Individuação. Para isso, é importante reconhecer o luto migratório, ou seja, o primeiro passo é validar o luto pela vida e identidade deixadas para trás. A dor da distância, especialmente nas festas, é real e precisa ser nomeada e acolhida. Além disso, é um processo de construção do Self transcultural, um processo de individuação do expatriado na corajosa tarefa de integrar o seu Self brasileiro com a Persona de uma nova cultura. É criar uma identidade híbrida, onde a alma não é mais inteiramente brasileira, mas também não é totalmente estrangeira. Essa nova identidade, mais rica e complexa, é o verdadeiro "presente" do exílio. Em vez de rejeitar o frio e a escuridão do inverno, a psicoterapia ajuda a integrá-los como um símbolo do recolhimento necessário. O inverno é um tempo arquetípico para a introspecção e a gestação de novos projetos, para cavar fundo e encontrar a luz interior que não depende do sol externo.
Saudade, Fuso Horário e o Complexo do Expatriado
Se você é um brasileiro no exterior e o final do ano o confronta com uma solidão dolorosa, a Psicoterapia Analítica pode te ajudar a transformar o "exílio exterior" em uma jornada de autodescoberta e a construir uma casa interior para te acompanhar a qualquer lugar do mundo.
CRP 06/119822




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